Apesar dos avanços das últimas décadas, a desigualdade entre meninos e meninas nos campos científicos ainda é grande e as instituições de ensino desempenham um papel central nesta questão
A primeira mulher a ganhar um Prêmio Nobel foi Marie Curie, em 1903. De lá para cá, 22 mulheres foram reconhecidas com um Nobel de Física, Química ou Medicina. Elas representam apenas 3,53% dos laureados em ciências. O número de pesquisadoras nestas áreas também é baixo: apenas 28% em todo o mundo, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU).
Mesmo com o aumento na última década, esse dado ainda é preocupante tendo em vista que elas são metade da população mundial — no Brasil as mulheres são 51% da população. E ainda precisamos considerar o fato de que cada vez mais necessitamos de especialistas nas áreas de Ciências, Engenharia, Tecnologia e Matemática (STEM na sigla em inglês – Science, Technology, Engineering and Mathematics) com o avanço das tecnologias. Mas por que ocorre essa disparidade entre homens e mulheres? Seria natural esse desinteresse das meninas pelas ciências exatas?
Decifrando o código: a educação das meninas em STEM
Em um estudo realizado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), mostra que as diferenças entre meninos e meninas nada têm a ver com a capacidade intelectual de cada gênero. Mas sim o reforço de estereótipos presente na criação e desenvolvimento dessas meninas, como explica a autora do estudo e especialista da Seção de Educação para a Inclusão e Igualdade de Gênero da Unesco, Theophania Chavatzia em entrevista à Agência Brasil:
“Há uma série de fatores que se sobrepõem uns aos outros, que têm a ver com o nível individual e também com a interação social e socialização no processo de aprendizagem, na família, na escola e na sociedade em geral. (…) Por causa disso e da presença majoritária masculina, essas carreiras não são consideradas apropriadas para meninas. Meninas tendem a crescer acreditando que STEM não é para elas, que não é um campo apropriado”, diz.
As diferenças de gênero na participação na educação em STEM em detrimento das meninas já são visíveis na educação infantil, e se tornam ainda mais visíveis nos níveis de ensino mais altos. Aparentemente as meninas perdem interesse em STEM com a idade, e baixos níveis de participação já são vistos em estudos avançados do nível secundário. No Brasil, resultados do Terceiro Estudo Regional Comparativo e Explicativo (Terce), realizado pelo Laboratório Latino-americano de Avaliação da Qualidade da Educação, revelam que no 4º ano do Ensino Fundamental as meninas têm desempenho melhor que os meninos em Matemática, com uma diferença de pouco menos de 15 pontos. Já no 7º ano do Ensino Fundamental, o cenário muda, os meninos passam a ter um desempenho melhor que o delas, com aproximadamente 15 pontos a mais.
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“Isso é reforçado pelo fato de que elas não veem pessoas que se destacam nessas carreiras que sejam mulheres, isso tanto na mídia, quanto na escola. As meninas tendem a acreditar que elas não são tão boas em STEM quanto os meninos. São estereótipos. Tendem a acreditar que são melhores em humanidades, por exemplo, e que não são boas em ciências ou que não são tão boas quanto os homens. Tendem a assimilar esse estereótipo e a ficar longe. Quando elas vão para a escola, ao invés de quebrar o estereótipo, muitas vezes isso é reforçado pelas atitudes dos professores, que também carregam esses estereótipos e até mesmo pelo currículo”, explica Chavatzia.
Como a escola pode mudar a percepção das meninas no STEM?
As escolas desempenham um papel fundamental em determinar o interesse das meninas em disciplinas de STEM, bem como em oferecer oportunidades iguais para acessarem e se beneficiarem de uma educação de qualidade nessas áreas.

Docentes, conteúdos de aprendizagem, materiais e equipamentos, métodos e mecanismos de avaliação, o ambiente de aprendizagem como um todo e o processo de socialização na escola, são todos fatores essenciais para assegurar o interesse e o envolvimento das meninas nos estudos e, em última instância, nas carreiras de STEM.
Ainda segundo o relatório da Unesco, os conteúdos e materiais de aprendizagem também causam impacto no desempenho das meninas em STEM. Currículos que são equilibrados quanto ao gênero e que levam em consideração os interesses das meninas, por exemplo, relacionando conceitos abstratos com situações da vida real, podem ajudar a aumentar o interesse das meninas nas áreas de exatas. Evidências também sugerem que atividades práticas, como as que ocorrem em laboratórios, por exemplo, podem aumentar o interesse das meninas.
Um grande exemplo disso é o aumento do interesse das alunas por programação após receberem aulas com o BBC micro:bit. Desde a sua criação em 2016, houve um aumento de 45% do número de meninas que disseram que definitivamente escolheriam a computação como carreira depois de usar a placa programável, segundo dados da própria Fundação micro:bit coletados em escolas inglesas.
“Inspirar cada criança a criar seu melhor futuro digital.. Sabemos da importância e urgência em incluir as meninas nestas áreas, por isso uma de nossas bandeiras é justamente o estímulo da aprendizagem em programação nas garotas”, explica Luís Furtado, gerente de produtos na Tecnologia Educacional, distribuidor master da micro:bit no Brasil.
Por que minha escola deve se preocupar com o assunto?
Tendo em vista o papel crescente das tecnologias de informação e comunicação (TIC) nos ambientes de trabalho de STEM, é preciso ter mais atenção para garantir que as meninas tenham oportunidades iguais para uma educação em TIC de qualidade, que aborda os estereótipos nela existentes.
Ao fazer isso, estaremos indo em direção à igualdade de gênero na educação, na qual mulheres e homens, meninas e meninos possam participar plenamente, desenvolver-se de forma significativa e criar um mundo muito mais inclusivo, igualitário e sustentável.
“Se continuarmos excluindo metade da população, isso significa que metade da produção e metade potencial não serão aproveitados no futuro. Reconhecemos, cada vez mais, a importância de STEM, da ciência e tecnologia para os avanços e para as soluções dos problemas da nossa era. Se deixarmos metade da população de fora, significa que teremos metade da população que não estará olhando para isso e não apresentará soluções. Essa é uma perspectiva. Outra é que estamos mantendo as desigualdades de gênero em geral. Se considerarmos STEM como o trabalho do futuro, com melhores salários e reconhecimento, e excluirmos as mulheres, estamos reforçando as desigualdades”, finaliza Chavatzia.
Você pode conferir o relatório completo da Unesco.
11/02/2021